Pensamentos Errados
Um verme. Pisoteado. Uma profunda dor tomara conta daquele individuo. Uma dor sem remédio. Há momentos em que olhamos para nós mesmos e nos perguntamos: o que fizemos para nós mesmos? O que aconteceu enquanto estávamos ausentes de nós mesmos? Como nos tornamos o que somos? Há momentos em que nos sentimos o pior dos seres, o mais imundo, sujo; há momentos em que nos comparamos a vermes. Isso era o que passava na cabeça daquele homem que, sentado ao meu lado, falava sem se preocupar com minha presença. Aquele era um dia tranquilo, um domingo de tarde. Eu estava sentado naquele banco fazia duas horas. O sol brilhava incansavelmente, o que não trazia nenhum problema. Nunca havia observado uma árvore maior do que aquela que deixava quase metade da praça debaixo de uma sombra deliciosa. Eu estava absorto nas minhas reflexões, como sempre gosto de estar. Gostava muito de ficar sozinho em casa com meus livros e minhas reflexões, mas de um tempo para cá, venho precisando ver as coisas, ver a vida acontecer, talvez influenciado por um pensamento do Caeiro:
Não basta abrir a janela
para ver os campos e o rio.
Não é o bastante não ser cego
para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.
Não saberia explicar, mas, de fato, poucas vezes tenho pensamentos, digamos, filosóficos ou pensamentos com um objetivo, minha mente é uma bagunça, nunca tive disciplina. Às vezes questiono-me acerca disso. Quando pequeno, nem tão pequeno assim, devia ter meus quinze ou dezesseis anos, me veio à mente um pensamento que nunca me largou e que eu nunca entendi direito, entre minhas caminhadas noturnas, enquanto passava por debaixo de um poste de luz e ela projetava minha sombra para frente eu dizia àquela breve acompanhante: as pessoas precisam de histórias e precisam sentir, não importa quais sejam as histórias e nem o que elas irão sentir, quanto mais histórias e mais coisas elas sentirem, mais fascinante será a vida delas. Elas precisam viver… Mas isso não importa, voltemos ao meu relato sobre aquele homem distraído. Aquele rapaz não parecia estar depressivo ou coisa do tipo, parecia encenar um papel, parecia saber que todos nós temos o poder de escolher com que máscara vamos atuar. De súbito me veio à mente: ele deve estar se preocupando em sentir, deve saber a importância de sentir o quanto mais seja possível. Fico pensando se ele deseja para si mesmo, de tempos em tempos, o que Nietzsche “desejava” a quem importava para ele; se não me falha a memória, a frase em que Friedrich diz o que deseja a todos com quem ele realmente se importa, é mais ou menos assim: “A todos com quem realmente me importo, desejo sofrimento, desolação, doença, maus-tratos, indignidades, o profundo desprezo por si, a tortura da falta de auto-confiança, e a desgraça dos derrotados”. Seria muita imaginação minha supor tudo isso. O fato é que ele não me parecia ser daquele jeito. Em certo momento ele disparou uma chuva de autodepreciação, nada daquilo me convencia. Três horas se passaram, havíamos nós dois permanecidos em silêncio. O sol que até então brilhava, estava se despedindo lentamente, parecia que eu nunca mais iria levantar daquele banco, estava esperando aquele homem se levantar primeiro. Depois de tanto tempo em silêncio, quando já havia me acostumado com aquela conversa de respirações, abruptamente o homem me questionou:
– Você deve estar imaginando inúmeras coisas a meu respeito, não está?
– Estou sim. Respondi cordialmente.
– Provavelmente ficaria com um pensamento distorcido a meu respeito se eu levantasse daqui e fosse embora sem lhe contar que sou ator e estava apenas repassando meu monólogo.
– É provável. Redargui pensativo.
E, como o sol, ele se foi e eu fiquei ali por um bom tempo ainda.
Um relato bobo e sem importância, é o que parece provável.
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