Abgrund

Abismo

A E.L.

A solidão, comumente, me carcome por dentro, até que faça dali sair uma lágrima que não entendo bem. A noite não tem Lua, e minha escrita não tem propósito. Por vezes, vejo a janela de meu apartamento e olho para baixo com aquele sentimento brusco de saber que as coisas existem como uma náusea, uma vertigem abismosa que sobe pelos olhos até não restar mais nada, senão uma turva visão da queda. São esses os momentos em que sei que estou vivo, justamente quando estou a sofrer, quando vejo que cada pedaço de meu corpo é sangue, o mesmo sangue que me matará, o mesmo que me faz feliz. Sinto que em mim dorme chorando uma criança agachada, lacrimosa, desesperada com olhos tão abertos que tudo o que toco não sou eu, mas ela. A cada passo que dou, cada sensação metafísica de carne e chão que me sobrevém, sinto-me cada vez mais metamorfoseado neste ser que em mim jaz que não consigo ser qualquer outra coisa, não me permito ser qualquer outra coisa, senão ela, seja o que for. E, paulatinamente, como um pequeno balão no céu noturno deteriorando-se, as pessoas começam a me olhar qual não fosse eu um semelhante delas, como se meu corpo se diluísse na calçada fria e seca. Com o passar das horas, torna-se essa a minha forma comum de ser, a forma com que eu sei que devo me manter para viver. Conhecimento das coisas, despertas em mim o inconsciente que me impede de ver outra vida! E, olhando para trás, sinto como se tudo o que passou o tivesse feito em questão de segundos, como se eu fosse o maior culpado de tudo o que aconteceu ter acontecido assim. Não sei o que deveria fazer agora, se eu não fosse esse ser pequeno monstruoso. Continuar lendo

Kindesgefühl

Sentimento de criança

Eu queria levar uma vida solitária em uma cabana ou chalé em uma montanha gelada e coberta por neve. Esse poderia ser meu objetivo para uma década vindoura. Queria livrar-me da sucessão de imagens repetidas ao longo do dia, livrar do cenário velho e cansativo, dos rostos pálidos de zumbis produtivos e incansavelmente tagarelas. Pensado isso, abstraio daí o sentimento que me invade, a paz montanhesca, o frio aconchegante, o calor de uma roupa pesada que aqueça meu corpo, o bem estar de um gole de chocolate quente, a companhia de um livro e uma bela e confortável poltrona ao lado de uma janela com vista para a paisagem alva. As suas variantes também são belas imagens que permeiam minha imaginação, a tristeza momentânea que em certos tempos nos assolam ao olhar atento ao redor e a ausência de vida constatada. Ah, são tantas! Quão belas me parecem. Não merecem ficar expostas no papel. A vida é algo fascinante. Pensar na vida me deixa paralisado. Pensar e fazer uma retrospectiva de sensações, emoções e sentimentos de outrora ao mesmo tempo em que me tira o fôlego e me proporciona certa felicidade, tanto pelos bons momentos, quanto pelos momentos superados, me deixa angustiado por motivos escusos. E o que falar dos sentimentos primeiros, quando ainda nossos olhos são pueris e atentos a tudo quanto é novo? Que coisa bela, de verdade. Há algo mais fascinante que a descoberta infantil das coisas? Há algo mais extraordinário do que a meninil e neófita sede pelo novo de uma criança? Há algo mais fascinante do que aprender? Aprender com os olhos curiosos de criança, sem o lodo que nós que nos consideramos adultos carregamos em maiores ou menores quantidades conosco. Como se livrar do lodo sem aprender a desaprender? Continuar lendo

Über Wahrheit und Lüge

Sobre a verdade e a mentira

– a saber…?
– Cada um tem suas necessidades. Se a filosofia fosse um banquete e eu um conviva, diria que estou satisfeito e estou apenas apreciando a tagarelice dos demais.
– E tu não “fala” nada?
– Só observo e me deleito.

Sobre a mentira

Por que haveríamos de ser filósofos se podemos ser poetas? Nunca gostei da verdade, somos filhos da mentira. Gostamos de mentir e gostamos que mintam para nós, construímos assim, ao longo de algumas dezenas de séculos nosso mundo, nossa civilização, nossa moral, por que recusamos a aceitar a mentira como algo prazeroso sem disfarçar? E ainda somos ingratos com o substrato do nosso ser, chamamos ao pai da mentira: diabo. Nunca paramos de cuspir ao prato que nos alimenta. Deixemos de ser filósofos e nos tornemos poetas. Os filósofos fazem as mentiras parecerem verdades já os poetas fazem a mentira parecer bela.

Sobre a verdade

O que falar sobre a verdade? O que falar sobre uma moça despossuída de beleza e vaidosa que não aceita uma observação atentando-se ao fato de sua compleição física não ser bela? Não adianta mascarar o que não é; após estar despida e depois de se banhar, tudo será como sempre foi. Continuar lendo