Abismo
A E.L.
A solidão, comumente, me carcome por dentro, até que faça dali sair uma lágrima que não entendo bem. A noite não tem Lua, e minha escrita não tem propósito. Por vezes, vejo a janela de meu apartamento e olho para baixo com aquele sentimento brusco de saber que as coisas existem como uma náusea, uma vertigem abismosa que sobe pelos olhos até não restar mais nada, senão uma turva visão da queda. São esses os momentos em que sei que estou vivo, justamente quando estou a sofrer, quando vejo que cada pedaço de meu corpo é sangue, o mesmo sangue que me matará, o mesmo que me faz feliz. Sinto que em mim dorme chorando uma criança agachada, lacrimosa, desesperada com olhos tão abertos que tudo o que toco não sou eu, mas ela. A cada passo que dou, cada sensação metafísica de carne e chão que me sobrevém, sinto-me cada vez mais metamorfoseado neste ser que em mim jaz que não consigo ser qualquer outra coisa, não me permito ser qualquer outra coisa, senão ela, seja o que for. E, paulatinamente, como um pequeno balão no céu noturno deteriorando-se, as pessoas começam a me olhar qual não fosse eu um semelhante delas, como se meu corpo se diluísse na calçada fria e seca. Com o passar das horas, torna-se essa a minha forma comum de ser, a forma com que eu sei que devo me manter para viver. Conhecimento das coisas, despertas em mim o inconsciente que me impede de ver outra vida! E, olhando para trás, sinto como se tudo o que passou o tivesse feito em questão de segundos, como se eu fosse o maior culpado de tudo o que aconteceu ter acontecido assim. Não sei o que deveria fazer agora, se eu não fosse esse ser pequeno monstruoso. Continuar lendo