Sobre Valerie

Valerie era uma bela mulher, de cabelos negros, longo e ondulado, de pela branca aveludada. Gostava de pintar o cabelo de vermelho. Mas não tinha certeza de que aquilo combinava com ela. Aliás, se tem uma coisa que ela não tinha era certeza. De nada. Era capaz de pensar e conversar sobre todas as coisas, mas opinar, ter certeza de algo e se apaixonar por coisas alheias a ela, não.

Mas ela amava a vida, a fisiologia do seu corpo e o quão longe a sua imaginação podia ir nas tardes solitárias e embalada por música, literatura e café. Quando fumava, fazia-o apenas por achar algo sensual, gostava de sentir a fumaça do cigarro entrar dentro de si, pertencê-la por um breve momento e logo em seguida retornar para a natureza. Eu amava como ela gostava de sentir as coisas da vida. Hedonista, sem duvidas.

No inicio ela não sabia muito bem como lidar com isso, as pessoas a sua volta pareciam-lhe tão limitadas, presas aos seus grilhões. Moral, costumes, foi fácil para ela entender que essas invenções sociais não lhe cabiam, mas como deveria ela se comportar e ter com os demais sem que a eles ela parecesse estranha ou inadequada(?)? Como certezas e verdades não faziam parte do seu sentir e agir, decidiu não nadar contra a maré, não lhe fazia diferença ser entendida. Também não tinha muita certeza dos seus prazeres, eles eram líquidos, a cada hora assumiam uma forma diferente e às vezes lhe era indiferente. Idiossincrasias internas constantes, certamente.

Eu adorava a leveza com que ela conduzia os pensamentos e os trazia à luz. Sempre escutava atentamente quando ela falava sobre as vacas e traduzia para o seu corpo as sensações que tinha quando as via deitadas, ruminando, debaixo duma sombra de árvore num grande campo gramado. Ela dizia: “isso é o auge do relaxamento, do nirvana. Gosto disso, desta sensação de barriga cheia, o corpo repousando num chão gelado em um dia quente debaixo de uma sombra depois de uma longa caminhada em campo aberto sob o sol da primavera”.

Ela amava o que é natural, o que não precisa ser desvendado, revirado, pensado, verbalizado ou escrito, embora também gostasse disso, mas mais por distração e diversão. O natural é que lhe movia. O alimento colhido, mastigado, digerido e excretado; o liquido bebido, filtrado pelos rins, excretado; as gotículas de suor se aglutinando e encharcando o corpo na tentativa de controlar a temperatura corporal nos verões rigorosos.

Ela amava as mudanças de estações do ano. Não tinha preferências, curtia as características de cada uma delas. Do frio, dias cinzas e a introspecção que o inverno lhe causava. As flores, a vivacidade geral do reino vegetal e a volta do calor do astro rei vindas com a primavera. Os dias escaldantes e finais de tarde com temporais, raios e trovões típico do verão. E as tardes cheias de ventos vários, folhas secas voando, céu azul, e todo o frescor do outono.

Ela amava os impulsos sexuais de seu corpo, a contração de cada um dos músculos envolvidos, em sincronia, necessários para produzir o estimulo certo pra atingir o auge do prazer que seu corpo podia sentir. Ela amava o banho gelado no dia quente e o banho quente no dia gelado. O repouso noturno após um dia inteiro mexendo e movendo o corpo em atividades várias num dia repleto e atípico de alto gasto calórico. A siesta após uma generosa refeição. Ela amava tudo isso. Por que tudo isso era muito real para ela, algo genuíno e sincero. Ela amava tudo que acontecia naturalmente e com espontaneidade.