A sacralidade de algo como perda de suas potências
Todas as coisas que até hoje se tornaram sagradas perderam a capacidade de exercer suas potências. Por quê? Pelo fato de toda a sacralidade se basear na negatividade; pois o Brahma, Tao, Deus, Krishna, Buda, a Face de Deus, o Al Haqq e diversos outros nomes bizarros estão todos situados naquilo que eles não são, apesar de fazerem aquilo que é. A erística da lógica da sacralidade é a mais simples de todas, e, ainda assim, a mais efetiva de todas: aquele que cria não é criado; aquele que vê não é visto; aquele que cria o ser não é – e assim podemos continuar para sempre brincando de dizer aquilo que eles fazem mas não são. Assim acontece com todos os livros que se tornam sagrados: eles perdem sua potência de crítica, de movimento justamente pelo fato de que aqueles que o lerão não o verão mais como um livro de metáforas, mas como um livro de dogmas, um livro em braile. A primeira frase, então, torna-se bem real. – Os únicos que dão à vida e às coisas seu caráter de movimento são os hereges, pois estes conseguem ler algo como algo, não como o tao. – Enquanto esses destruidores do corpo procuram o caminho do Uno botando a pluralidade como o mal maior (pois só há um caminho, só há um Deus, só há uma verdade), nós, os maus, temos de rir de toda sacralidade Única, de toda Unicidade, de todo os mares que se dirigem, ou querem ser dirigidos, por apenas Uma correnteza, pois nós, os maus, somos um mar revolto de vertentes diversas: e muitas águas desaguam em nós. Os odiadores pretendem ver o homem como apenas uma coisa e não como uma multiplicidade de coisas; nós, os ímpios, vemos cada homem como diferente do outro, assim como cada flor é diferente da outra, e cada animal é diferente do outro – a igualdade não existe, e os Direitos Humanos se recusam a ver isso, cometendo o disparate de achar que há regras ontológicas, mas o que há são atitudes e superações ontológicas. A sacralidade de algo leva ao humanismo universalista, uma doutrina tão mentirosa e impossível quanto a razão pura, que é a mais pura razão de pensar besteiras. – Não, não somos sagrados e nem iluminados. Se alguém ousa se sentir iluminado: acredite, há pura escuridão nele. E nós? Somos pura escuridão, mas quem disse que precisamos de uma luz no fim do túnel? Precisamos, antes de tudo, de toque: tocar o pior dos medos ilumina-o. Fecharemos os olhos ou riremos pra ele?